Neste curso, será apresentada e discutida a noção mais original cunhada pelo filósofo francês Jean-Paul Sartre. Em sua obra mais importante, O Ser e o Nada (de 1943), a noção de má-fé surge como o epicentro sobre o qual todo um estudo sobre a condição humana se realizará. Da herança fenomenológica (notadamente a noção de intencionalidade) ao problema ético lançado no final da obra (como o outro ser humano é, ao mesmo tempo, condição para minha existência e ameaça a esta mesma existência), a análise da má-fé humana representa um caso exemplar da obstinada procura por uma filosofia concreta, por um pensamento que opere imerso no mundo.
A má-fé é a designação dada por Sartre as condutas de fuga empreendidas pelo ser humano, ao se descobrir responsável por suas escolhas, ao sentir o peso da liberdade que o obriga a escolher o seu próprio destino. Da radical liberdade concebida por Sartre no existencialismo, a experiência da má-fé se apresenta como o seu contraditório, o seu contraponto, a tensão que acaba por expandir os limites da própria condição humana.
Um encontro amoroso, a tentação de um viciado por jogos, um passeio frustrado no campo, o trabalho de um garçom em um café, situações reais trazidas por Sartre, através de ficções literárias oferecidas no livro, para discutir a constituição da subjetividade a partir dos dilemas mundanos que alcançam o cotidiano de cada indivíduo. Nobel de Literatura em 1964, Sartre, no trabalho sobre a má-fé, produz um raro encontro entre reflexão filosófica e criação artística, que resultará em novos horizontes para um estudo sobre a existência humana.
Estudar a má-fé sartriana também significará analisar o modo de ser do humano, a sua relação com os outros indivíduos e a sua atuação em sociedade. O campo de atuação da má-fé em Sartre está entre a efetividade do agir humano e as reflexões ético-políticas sobre a existência. Não por outro motivo, estudar a noção de má-fé será, necessariamente, se deparar com o desafio de compreensão de nosso tempo, em conjunto com o reconhecimento da ausência de sentido ou orientação prévia na vida. A má-fé se mostra, neste sentido, um caso privilegiado para pensarmos nosso tempo, ao acolher em sua realização, um projeto de mundo compartilhado com a vivência individual sofrida por cada um.