Mitos são
narrativas sagradas que estão imiscuídas com as origens e os fundamentos das
culturas. Todo leitor contemporâneo pressente neles a presença de algo assombroso,
instaurador, capaz de transmitir alguma sabedoria ancestral que aguarda por ser
decifrada.
Com esse mesmo pressentimento, filósofos,
psicólogos, antropólogos e estudiosos em geral foram aos mitos antigos para
tentar chaves de decifração. Tomaram-nos como formas simbólicas de condensar e
legar cosmovisões, experiências de mundo, hierarquias de valores. Leram-nos
meios de dar forma à perplexidade que a inteligência humana experimenta diante
do fato de que o mundo existe, e de que tem a forma de mundo.
A tarefa da decifração, no entanto, não é nada
trivial. Mitos não são exatamente aquilo que entendemos por ciência, ou por psicologia,
historiografia, literatura, discurso jurídico, religião – mas são, à sua
maneira, um pouco de tudo isso ao mesmo tempo. Embora não sejam filosofia, têm
uma potência filosófica extraordinária. Filósofos antigos, modernos e
contemporâneos dedicaram reflexão a essas narrativas, com disposições diversas
que foram da rejeição racionalista ao respeito reverente, e houve mesmo aqueles
que, como Schelling, confessaram a inferioridade da filosofia diante de
símbolos e histórias tão opulentos e poderosos.
Existe, pois, muito a ser explorado quando nos propomos a uma reflexão
filosófica sobre os antigos mitos.