Na atualidade, temos nos deparado com questões que evocam a todo o momento
novas catástrofes, fazendo com que o homem contemporâneo se veja confrontado
com situações de cunho traumático. Situações que suscitam, por um lado, uma
sensação do mais profundo desalento e, por outro, um sentimento de completa
impotência para enfrentá-las. Sejam catástrofes naturais, sejam aquelas
provocadas pelo social, sejam oriundas do contexto do mundo globalizado, sejam
de suas dificuldades mais íntimas, a intensidade desses acontecimentos acaba
por abalar no homem suas certezas e crenças.
Derivado do grego, o termo trauma é utilizado pela medicina significando
ferida e vai receber na saúde mental um lugar de destaque, passando a ser
concebido como um acidente subjetivo que não se integra à economia psíquica. É
neste registro que surge o tratamento psicanalítico com as histéricas, no
início do século XX, buscando dar um sentido ao sofrimento psíquico.
Com efeito, se o trauma é um tema que tem recebido, das mais diversas
disciplinas, uma importância cada vez maior, ele esteve presente na psicanálise
desde a sua origem, ocupando um lugar histórico de fundação, quando foi a chave
de compreensão da histeria nas investigações realizadas em conjunto por Charcot
e Breuer, quando esta síndrome com manifestações corporais, mas entendida como
eminentemente psíquica, era explicada pela ideia de um trauma sexual. Neste
contexto, a histeria era compreendida pela chamada primeira teoria do trauma,
baseada na teoria da sedução. As experiências traumáticas são como processos de
grandes quantidades de excitação, que não encontram vias de ligação no
psiquismo. Esta forma de circunscrever o trauma é abandonada quando entram em
cena noções capitais como recalque, fantasia e a-posteriori. A noção é retomada
mais tardiamente na obra freudiana, quando o trauma passa a ser articulado ao
tema do desamparo.
Hoje, tendo atravessado aquele século, a questão do trauma continua
presente. Em certa medida, sem pretender comparar, foi um século atravessado
pelas catástrofes, caracterizando-se como uma era de destruições justo quando
se acreditava, com o Iluminismo, que o progresso poderia trazer, senão
felicidade, ao menos paz. As questões emergentes na clínica atual nos obrigam a
lidar incessantemente com as repercussões da angústia e do sentimento de
desamparo oriundos da exposição à violência, à guerra e aos cada vez mais
frequentes desastres.
A pergunta que se coloca é: na atualidade, como tratar o conjunto de
modalidades de sofrimento psíquico que apresentam estas características? E, por
decorrência, qual seria a problemática contemporânea, que tem no trauma sua
referência maior?
Considera-se, nos mais diversos campos do saber, que o sujeito vive hoje uma
era da descrença, de profundo desalento, acarretando, em termos de economia
psíquica, uma organização que visa o gozo, o bem próprio antes de tudo. Por
isso, vivemos na atualidade o império da barbárie, em lugar de uma sociedade
civilizada. Como efeito deste estado de coisas, o homem sofre e vamos nos
deparar com modalidades de padecimento psíquico designadas como novos sintomas.
Sintomas que expressam, de formas as mais variadas, traumas vivenciados
principalmente como decorrência do convívio social.
Como profissionais do campo psi, indagamo-nos, ainda, qual estatuto
conferir a essas formas de expressão de sofrimento que se apresentam nos tempos
atuais, posto que, por um lado, o espaço para a representação de projetos e
ideais se mostra inconsistente e, por outro, o sujeito é instado a fruir sem limites,
pressionado na direção de uma satisfação a qualquer preço. Que narrativa dará
conta desta ‘nova’ disposição subjetiva? Em outras palavras, qual a envergadura
do arcabouço teórico da psicanálise diante do mal-estar contemporâneo?
Estas questões constituem um grande desafio clínico para os profissionais de
saúde mental de modo geral, haja vista a centralidade que tem tido hoje na
psiquiatria a noção de post-traumatic stress disorders (PTSD), assim
como para a psicanálise, que tem buscado delinear as especificidades de uma
clínica do trauma e da catástrofe. Face a tal contexto social, clínico e
histórico, este curso visa pesquisar e desenvolver subsídios teóricos que
ofereçam ao profissional ferramentas para enfrentar estas novas modalidades de
padecimento psíquico. Nesse sentido, a proposta se insere em um campo do saber
que é ao mesmo tempo conceitual e clínico, na medida em que visa formar
profissionais capacitados a lidar com as problemáticas da clínica
contemporânea, em especial as que envolvem atendimentos ligados a situações de
trauma e de urgências subjetivas, seja no contexto do consultório, seja no
contexto de uma clínica ampliada (no âmbito das instituições hospitalares,
escolares ou nos eventos de desastres).
A finalidade deste curso é assegurar que esses profissionais sejam capazes
de problematizar a atuação do psicólogo, de modo a refletir, criar e
implementar intervenções em situações de trauma, catástrofe e urgências
subjetivas. Os alunos receberão certificado de Especialista, e realizarão
as cargas horárias de estágio supervisionado decorrente do atendimento clínico no
SPA. Para a realização dos atendimentos clínicos é exigida a apresentação da
carteira profissional do Conselho de Psicologia.